sexta-feira, 27 de maio de 2011

CRIANÇA – A dor que sente numa separação dos pais

1946. Eu tinha seis anos. Uma violenta tempestade de acontecimentos infelizes estava começando em minha vida. A tuberculose em minha mãe estava muito adiantada e não regredia. Ainda não existiam antibióticos no Brasil. Ela teria que ficar mais um ano no hospital, longe dos filhos. Como ficar tanto tempo separado e distante 600 quilômetros da mulher que amava? Era o problema que meu pai, meu herói, enfrentava. Ele teria que se mudar de Indiana, Presidente Prudente, para a capital de São Paulo, para ficar mais próximo dela. Mas, e nós, os três filhos pequenos, o menino de seis anos, uma menina de três e outra de seis meses? A solução dolorida, mas necessária, foi nos deixar com a avó, mãe de minha mãe. Quando vejo casais se separarem por motivos muitas vezes egoístas e fúteis sem pensar na dor que sente o coração de seus pequenos; isso me revolta. Porque a separação de uma criança do seu pai ou mãe, por qualquer que seja o motivo, é uma das maiores dores do mundo! Quem não a sentiu não pode imaginar o grau. Mas eu senti na pele e posso afirmar: nada dói mais. Não existe anestésico. No sertão, ao sul de Indiana, perto da região de Anhumas, nós três, os pequenos, ficamos como nossa avó materna. Ao longe eu via meu pai partir, distanciando-se até sumir naquela estrada de terra. Com ele ia uma parte de mim. Como doía! Era como se um pedaço de meu corpo estivesse sendo arrancado, sem anestesia. Uma dor sem alívio. Mas há pessoas que parecem bons anjos colocados nessa Terra para cuidar dos desprotegidos. A nossa avó era uma dessas pessoas maravilhosas. Era uma velha bondosa. Pernambucana morena, alta, forte. Seu rosto marcado pelas rugas profundas mostrava ser um retrato de quem estava acostumada à luta e aos reveses da vida. Que guerreira era aquela mulher! Ela morava com o meu tio Valter, solteiro, irmão de minha mãe. Em 1946 ele tinha 20 anos, hoje tem uns 91. Esse tio, muito querido por tudo o que fez por nós, os três pequeninos, era um moço forte, com todo o timbre do bravo nordestino. Ganhava a vida cortando toras no mato. Eu ficava assistindo e admirando a sua força que fazia tombar as gigantes perobas que dois homens não conseguiam abraçar o tronco. Não existia moto-serra. Ele usava o traçador - enorme serrote operado por dois homens - e fazia as gigantes da mata tombarem diante dele. Depois as amarrava com correntes a juntas de bois que as arrastavam até a estrada para os caminhões antigos as levarem. Ainda me lembro do cheiro da serragem das perobas verdinhas. Eu achava interessante o gemido, o ronco do motor do caminhão ao carregar aqueles grandes pesos. Ali, com o meu tio e minha avó eu tinha um serviço do qual me alegrava muito: era encarregado de todos os dias levar o almoço para ele no meio da mata. Mas essa alegria não diminuía a dor da saudade que sentia dos meus queridos pais distantes mesmo que por motivo de doença. A saudade aumentava dia a dia, pois a criança não tem noção do tempo e nem de “motivos da vida para a separação”, e tudo parece uma eternidade. E nada é mais eterno para uma criança do que a dor da separação, da ausência. Sei disso porque vivi o drama. Como dói! Há várias histórias minhas pra contar; pena que são de dor.

(nillo.gallindo@bol.com.br)

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